2 – Teoria de Empresa

 Introdução

Ensina-nos Fabio Ulhoa Coelho, notório especialista em Direito Comercial, que os bens e serviços de que todos nós precisamos para viver, ou seja, que atendem às nossas necessidades de alimentação, saúde, educação vestuário, lazer, etc. – são produzidos em organizações econômicas especializadas e negociadas no mercado. Quem estrutura essas organizações são pessoas vocacionadas à tarefa de combinar os fatores de produção e consumo. São pessoas fortemente estimuladas pela possibilidade de ganhar dinheiro com isso e que nós chamamos de empresários.

 É importante que esse conceito fique bem claro. A atividade empresarial tem como objetivo o lucro e desse resultado desejado não se desvincula. Como dizia Mário Thomas, quando você não esta ganhando dinheiro em uma atividade empresarial é porque você está perdendo.

 A atividade empresária como entendemos no sistema capitalista, trata da relação entre quatro fatores: capital, mão-de-obra, insumo e tecnologia. Articular esses quatro fatores não é tarefa fácil e exige vocação  e competência. É uma atividade de risco principalmente em países como o Brasil onde existe grande interferência do Estado na economia e impera a instabilidade econômica e os abusos tributários.

 Não há como evitar o risco de insucesso da atividade empresária, inerente a qualquer atividade econômica. Por isso, boa parte da competência característica dos empresários vocacionados diz respeito à capacidade de mensurar a atenuar os riscos.

 Essa atividade econômica organizada tem seu exercício regulamentado por um conjunto de normas de ordem jurídica que estão expressas  no Código Comercial, parte integrante do Código Civil Brasileiro recentemente atualizado (janeiro de 2002) e em vigor.

 Embora as pessoas não se dêem conta disso, todas as atividades em uma sociedade organizada são regulamentadas direta ou indiretamente pelas normas de direito. Em um estado de direito, como o nosso, conhecer e respeitar essas regras é fundamental. Conhecer o direito comercial, ou empresarial, também é necessário para uma gestão eficiente dos negócios pois gerir significa, strictu senso, tomar decisões e para fazer isso precisamos conhecer a regra e sua aplicação.

 Isso posto, passemos então ao estudo da teoria da empresa vista pelo prisma da sua regulamentação através da história.

1.0       – O Comércio e a Empresa

 Como já dissemos, os bens e serviços que todos nós precisamos para viver são produzidos por organizações econômicas especializadas. Mas isso nem sempre foi assim. Nos tempos antigos, as roupas e os alimentos eram produzidos em casa pelos próprios usuários, apenas os excedentes eventuais eram trocados com os vizinhos ou em praça pública no que se convencionou chamar de  “escambo”.

Alguns povos da antiguidade, como os fenícios, ficaram célebres pela prática de escambo e praticamente deram origem ao que hoje chamamos de “comércio” a partir do momento que passaram a trocar seus bens por pedaços de ouro ou outro metal nobre, coisa que viríamos a chamar de “dinheiro”. Essa atividade, com fins econômicos, o comércio, expandiu-se com extraordinário vigor. Graças ao comércio, estabelecerem-se intercâmbios entre culturas distintas, desenvolveram-se tecnologias e meios de transporte, fortaleceram-se os estados, povoou-se o planeta. Mas o comércio também trouxe as guerras, os escravos e a destruição dos recursos naturais.

 O comércio também deu origem a indústria que, em síntese, é a produção de bens para o uso de outras pessoas e não para serem usados por quem os fabrica. Do comércio também nasceram o dinheiro, os correios, os bancos e os seguros.

 Durante a Idade Média, houve a grande expansão do comércio. No  renascimento (séc XV), artesões e comerciantes reuniram-se nas famosas “Corporações de Ofício”, poderosas entidades burguesas (ou seja sediada em burgos) que gozavam de grande autonomia em face do poder real e dos senhores feudais.

Foram nas Corporações de Ofício que apareceram as primeiras normas destinadas a disciplinar as relações entre seus filiados. Esse foi o princípio do que chamamos hoje de Direito Comercial ou Direito Empresarial.

 No início do século XIX na França, Napoleão Bonaparte, com a ambição de regular a totalidade das relações sociais, patrocinou a edição de dois monumentais diplomas jurídicos: o Código Civil (1804) e o  Código Comercial (1808). Inaugura-se então um sistema para disciplinar as atividades dos cidadãos, que repercutirá em todos os países de tradição romana, inclusive o Brasil.

 De acordo com esse sistema, classificam-se as relações de direito privado em “civis” e “comerciais”.

Para cada um desses regimes estabeleceram-se regras diferentes para reger os contratos, obrigações, prescrições, prerrogativas, provas judiciárias e foros. Assim, um contrato civil é regulamentado pelo Código Civil (compra e venda de um imóvel, por exemplo), enquanto que um contrato comercial é regido pelo Código Comercial que no sistema francês era chamado de “Atos de Comércio”.

 A importância disto no fato de que os Atos de Comércio davam certa proteção aos atos jurídicos que o Código Civil não dava, como por exemplo, o direito a concordata que estudaremos em breve.

 O problema é que na lista dos Atos de Comércio não se encontravam algumas atividades  econômicas que, com o passar do tempo, passaram a ganhar importância equivalente às de comércio como, por exemplo, a prestação de serviços que está estreitamente ligada à questão da urbanização.

 Na Europa, e mais precisamente na França daquela época, a burguesia foi levada a travar uma acirrada luta de classes contra o feudalismo, e um dos reflexos disso na ideologia jurídica é a desconsideração das atividades econômicas próprias dos senhores feudais como a negociação de imóveis e a agricultura ou extrativismo.

 A insuficiência e falta de abrangência dos Atos de Comércio perante o alargamento dos tipos de atividades econômicas, levou ao surgimento de outro critério identificador dessas atividades: a teoria da empresa.

  2.0 – A Teoria da Empresa

 Em 1942 o mundo estava em guerra e, na Itália, governava o ditador fascista Benito Mussolini.

 Segundo Fabio Ulhoa, a ideologia fascista não é tão sofisticada quanto a comunista mas um paralelo entre elas é importante para entendermos a ambientação política do surgimento da teoria da empresa. Para essas duas concepções ideológicas, burguesia e proletariado estão em luta mas elas divergem sobre como a luta terminará. Para os comunistas (ou marxistas) o proletariado tomará o poder do estado, expropriará das mãos da burguesia os bens de produção é porá fim às classes sociais. Já para o fascismo, a luta de classes terminará em harmonização patrocinada pelo estado nacional. Burguesia e proletariado superam seus antagonismos na medida em que se submetem aos objetivos superiores da nação, seguindo o líder, que é o intérprete e guardião destes objetivos. No ideário fascista a “empresa” representa justamente o local onde se harmonizam as classes em conflito.

Com o tempo, a teoria da empresa se desvencilhou das raízes ideológicas fascistas e sobreviveu, inclusive, à redemocratização da Itália sendo a base, hoje, do Direito Comercial na maioria dos países de tradição romana.

 No Brasil, nosso primeiro Código Comercial foi elaborado em 1850 e esteve em vigor até Janeiro de 2003. Ele sofreu muita influência da teoria dos Atos de Comércio, naturalmente. Ele apresentava a relação de atividades econômicas reputadas de “mercancia” que na linguagem atual compreenderia:

a)   compra e venda de bens móveis ou semoventes (animais), no atacado ou varejo, para revenda ou aluguel;

b)   indústrias;

c)   bancos;

d) logística;

d)   espetáculos públicos;

e)   seguros;

f)    armação e expedição de navios.

 A defasagem entre os diplomas inspirados pelos Atos de Comércio e a realidade disciplinada pelo Direito Comercial, principalmente no que diz respeito ao tratamento desigual entre as atividades econômicas como prestação de serviços, negociação de imóveis e atividades rurais, começam a ser apontadas, no Brasil, na década de 60. Principalmente depois da adoção da Teoria da Empresa no projeto do Novo Código Civil de 1975. Esse projeto tramitou com inesperada lentidão (quase um quarto de século), foi publicado em 2002 e só em Janeiro de 2003 é que entrou em vigor.

 Durante esse tempo, que o projeto tramitou no Congresso Nacional, muitos juízes começaram a desconsiderar os conceitos dos Atos de Comércio e a legislar à luz da teoria da empresa, decidindo processos que concederam concordata a pecuaristas, decretaram falência de negociantes de imóveis, etc. Também durante esse longo tempo as principais leis de interesse do Direito Comercial, editadas, já se inspiraram no sistema italiano, e não mais no francês. São exemplos o Código de Defesa do Consumidor de 1990, a Lei de Locação Predial Urbana de 1991 e a Lei do Registro de Empresas de 1994.

 Portanto, com o advento do novo Código Civil, de 2002, o comércio passou a representar apenas uma das várias atividades econômicas reguladas por um Direito mais amplo, o Direito Empresarial, que abrange o exercício profissional de atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou serviços (art. 966). Tudo naturalmente a partir de 11.01.2003 quando começa a vigência do novo Código Civil Brasileiro.

 SAIBA MAIS

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Volume I. São Paulo. Editora Saraiva, 2002

BULGACOV, Sergio. Manual de Gestão Empresarial. São Paulo. Editora Atlas, 1999.

Veja Também:

www.sebraesp.org.br

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