3 – Direito de Autor

O IMPACTO DAS NOVAS TECNOLOGIAS SOBRE OS DIREITOS AUTORAIS

Desde tempos imemoriais, o ser humano, dotado de racionalidade, vem expressando sua capacidade criativa por diversos meios.
Imagina-se que o homem primitivo ao registrar as situações cotidianas vividas por ele e seu grupo, por intermédio de desenhos rudimentares registrados nas paredes das cavernas, tinha por objetivo informar, quem por ali passasse, verdadeiras odisséias daquela época. Contudo, mal sabia que estava criando uma das mais belas expressões artísticas do conhecimento humano, a pintura.
Com o surgimento da escrita, que é fruto da aptidão criativa do ser humano, os pensamentos, sentimentos, conhecimentos, situações individuais, atos comerciais; enfim eventos atinentes à vida em sociedade, antes acertados ou repassados oralmente, passaram a ser registrados através de símbolos, sinais e letras – inicialmente – em tábuas de barro.
A escrita, sem sombra de dúvidas, revolucionou a comunicação entre as pessoas, conferindo agilidade e segurança à transmissão de informações de qualquer natureza, desde lúdicas a científicas. Assim, com esta ferramenta, originou-se um ambiente favorável à disseminação do espírito criador. Acredita-se que essa facilidade de transmissão dos produtos originados da genialidade humana trouxe, também, a preocupação de seus criadores, muitas vezes anônimos, de buscarem o reconhecimento moral e – por que não – retorno material de suas obras. Em tese, é nesse momento em que surgem os direitos autorais em essência, ou seja, quando o criador sente a necessidade da tutela sócio-estatal de sua criação.
Outro marco importante dos direitos autorais reside na invenção da prensa de tipos móveis por Johann Gensfleish Gutenberg, no século XV, permitindo que as obras oriundas do espírito humano pudessem ganhar forma material em escala industrial, ao contrário das cópias manuscritas até então empregadas. Nesta esteira, aparecem as figuras de importância jurídica do copyright na Inglaterra e, em seguida, o droit d’auteur na França, de que se tratará mais adiante.
Maturando-se no cadinho natural da evolução humana, social e tecnológica, as criações de espírito, como gostam de chamar os autores franceses, inicialmente gravadas em tábuas de barro, pergaminhos, papiro e papel, com o advento do computador e da rede mundial de computadores (Internet) passam a existir e transitar em um ambiente digital, também chamado de virtual, que desconhece fronteiras físicas ou geográficas.
O computador, máquina surpreendente que revolucionou a vida das pessoas no século passado e continua revolucionando atualmente, tem sua origem em experiências com destinação bélica. Inegavelmente, as guerras, apesar dos danos inerentes ao combate, desde eras remotas, propiciam significativos avanços nas áreas da ciência e da tecnologia.
Especial destaque merece o desenvolvimento dos computadores eletrônicos de primeira geração, a exemplo do Colossus (1943), projeto britânico que tinha por objetivo decifrar códigos secretos de guerra e o ENIAC (Electronic Numerical Integrator and Computer), desenvolvido pela Universidade da Pensilvânia – Estados Unidos – em 1946, visando atender propósitos de defesa nacional. A partir desse momento a humanidade passou a conviver com uma tecnologia que, mais tarde, conferiu celeridade, qualidade e segurança às diversas atividades desenvolvidas pelos seres humanos.
A evolução da máquina (hardware) e demais acessórios (periféricos) aliada à criatividade humana (software) permitiu que esses aparelhos revolucionários fizessem parte do cotidiano de grande parcela da população, seja nas residências, nos locais de trabalho, no ensino, no lazer, no comércio, etc., uma participação, saliente-se, cada vez mais indispensável.
Na última década, com o advento da Internet (rede mundial de computadores), efetivamente a partir de 1993 com o programa Mosaic (para navegar em páginas web), surgiu nova revolução no dia-a-dia das pessoas, ou seja, o acesso a informações e serviços – globalmente – tornou-se fácil, rápido e acessível a muitos.
No universo propiciado por essa fabulosa tecnologia, encontra-se o comércio eletrônico em escala mundial sem fronteiras, ou seja, hoje é possível adquirir produtos de várias partes do planeta através da Internet, bastando para isso alguns toques no teclado, um cartão de crédito válido e boa dose de paciência se for um bem tangível; já os intangíveis – como softwares por exemplo – são transmissíveis via digital após a confirmação da venda. Contudo, nesse ambiente eletrônico que fascina seus usuários, merecem consideração os aspectos jurídicos das transações digitais, em especial, afetas aos direitos autorais, oriundos do espírito criador do ser humano.
Por conseguinte, a tutela jurídica concernente aos direitos autorais está diante de novo desafio, ou seja, sua implementação e regulamentação no novel comércio eletrônico que desconhece fronteiras; para tanto, é previsível que um grande número de debates e negociações se estabeleçam entre os diversos atores do cenário global.
DIREITOS AUTORAIS NO COMÉRCIO ELETRÔNICO
CONSIDERAÇÕES GERAIS
O comércio eletrônico, por intermédio da Internet, é deveras fascinante. Movimenta cifras gigantescas, permite acesso a mercados antes inatingíveis, diminui custos, aumenta lucros. Contudo, ao lado das seguranças operacionais desse ambiente digital, torna-se imprescindível a implementação e desenvolvimento de mecanismos de natureza legal que propiciem proteção às transações comerciais.
Dentre os objetos dessa tutela jurídica destacam-se os direitos autorais, como dito anteriormente, que são dignos de legislação específica em âmbito nacional e de Tratados, Convenções e Acordos no âmbito internacional, inclusive um dos combustíveis que movimenta a OMPI1.
Sem sombra de dúvidas, seja qual for o sistema adotado pelo país (droit d’auteur ou copyright)2, são direitos de extrema relevância e valor econômico; portanto, merecedores de atenção jurídica no seio do e-commerce via internet.
QUESTÕES DE INTERESSE JURÍDICO
Bens passíveis de tutela
Reconhecida a necessidade de se contemplar os direitos autorais no arcabouço legislativo nacional, torna-se indispensável relembrar quais os bens de essência intelectual passíveis dessa proteção legal.
Com justiça, nesse aspecto, a legislação brasileira encontra-se em consonância com os Tratados, Acordos e Convenções Internacionais. Apenas relembrando, o artigo 7º da Lei 9.610 de de 19/02/1998, lei brasileira dos direitos autorais expressa:
São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como:
I – os textos de obras literárias, artísticas ou científicas;
II – as conferências, alocuções, sermões e outras obras da mesma natureza;
III – as obras dramáticas e dramático-musicais;
IV – as obras coreográficas e pantomímicas, cuja execução cênica se fixe por escrito ou por outra qualquer forma;
V – as composições musicais, tenham ou não letra;
VI – as obras audiovisuais, sonorizadas ou não, inclusive as cinematográficas;
VII – as obras fotográficas e as produzidas por qualquer processo análogo ao da fotografia;
VIII – as obras de desenho, pintura, gravura, escultura, litografia e arte cinética;
IX – as ilustrações, cartas geográficas e outras obras da mesma natureza;
X – os projetos, esboços e obras plásticas concernentes à geografia, engenharia, topografia, arquitetura, paisagismo, cenografia e ciência;
XI – as adaptações, traduções e outras transformações de obras originais, apresentadas como criação intelectual nova;
XII – os programas de computador;
XIII – as coletâneas ou compilações, antologias, enciclopédias, dicionários, bases de dados e outras obras, que, por sua seleção, organização ou disposição de seu conteúdo, constituam uma criação intelectual.”
Face à notória ausência de textos legais que abordem os direitos autorais no âmbito do comércio eletrônico desenvolvido pela Internet, via de regra, no Brasil, são estes os bens tutelados pela lei no referido mercado digital.
Basicamente, podemos concluir da leitura do artigo acima que os bens acima listados podem ser divididos em quatro grupos, quais sejam: obras literárias, artísticas, científicas e programas de computador.
As obras literárias ratificam a capacidade humana de se externar através da escrita; manifestam-se por diversas formas: poesia, romance, drama, ficção, suspense, etc. Com a invenção da prensa de tipos móveis, no século XV, tornou-se o principal meio de divulgação do conhecimento humano, característica hodiernamente compartilhada com a Internet.
Hoje, com o avanço da tecnologia digital é notável, com o uso do equipamento chamado scanner3 e de programas de computador específicos, a facilidade de realização de cópias de livros, enciclopédias, revistas, enfim, qualquer tipo de obra pode ser reproduzida e comercializada através da Internet. De fato, basta uma pequena busca na rede para encontrarmos centenas de sites que comercializam ou até disponibilizam gratuitamente, publicações de todos os gêneros e em todas as línguas.
As obras de essência artística, tais como pinturas, gravuras, esculturas, músicas, coreografias, cinematografias, fotografias, dentre outras manifestações, no ambiente do comércio eletrônico, podem ser e, freqüentemente o são, objetos de plágios e contrafação.
As obras musicais, audiovisuais e fotográficas, em virtude da existência de hardwares e softwares muito avançados, que permitem facilmente a reprodução e o armazenamento de imagens por qualquer pessoa, são alvo de contrafação e distribuição com fins econômicos na rede mundial de computadores, e causam grandes prejuízos pecuniários aos autores e à indústria de comunicação e entretenimento.
No campo científico há possibilidade de comercialização de textos ou banco de dados com resultados de pesquisas e experimentos, em especial, relacionados com princípios ativos utilizados no preparo de medicamentos, extremamente valiosos para a indústria farmacêutica.
Os programas de computador (softwares), por sua natureza digital, ou seja, compostos por binários numéricos (0 e 1), dispensam comentários acerca da facilidade de reprodução, quebra de códigos de segurança, armazenamento, transmissão, distribuição, etc. Comumente, observam-se na internet ofertas de programas de jogos, seja em DVD´s – entregues pelos correios ou serviço de motoboy – ou, simplesmente, após confirmação de pagamento e fornecimento de uma senha, entregues via eletrônica (download).
Amparo jurídico nacional
Conforme acima expendido, observa-se que a proteção jurídica contida nas Leis nº 9.610 (Direitos Autorais) e na Lei 9.609 (Propriedade Intelectual do Programa de Computador – Lei do Software), ambas de 19/02/1998, e demais textos legais correlatos, é suficientemente adequada para a dirimir quaisquer litígios envolvendo direitos autorais no e-commerce dentro da jurisdição nacional; pois, o autor possui os mesmos direitos morais e patrimoniais sobre sua criação tanto no mercado tradicional quanto no “mercado digital”.
No mesmo diapasão, escreve o mestre Henrique Gandelman:
Os direitos autorais continuam a ter sua vigência no mundo on line da mesma maneira que no mundo físico. A transformação das obras intelectuais para bits em nada altera os direitos das obras originalmente fixadas em suportes físicos, como já referido anteriormente.
Aspectos importantes, e que podem ocasionar até mesmo violações de direitos autorais por falta de informação ou conhecimento, devem ser observados.4
Panorama internacional
O comércio eletrônico por desconhecer barreiras físicas e temporais é matéria de preocupação dos legisladores de muitos países. Todavia, a abrangência das leis de proteção aos direitos autorais é limitada aos territórios dos Estados; contudo, restam indefinidos os padrões para fixação de competência para julgar as contendas que venham a ocorrer, envolvendo diferentes países.
Na Comunidade Européia foi adotada, em 22 de maio de 2001, a Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à harmonização de certos aspectos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação.
Merecendo relevo, no idioma lusitano, os seguintes itens:
(1) O Tratado prevê o estabelecimento de um mercado interno e a instituição de um sistema capaz de garantir o não falseamento da concorrência no mercado interno. A harmonização das legislações dos Estados-Membros em matéria de direito de autor e direitos conexos contribui para a prossecução destes objectivos.
……………………………………….……omissis ………………………………………………………..
5) O desenvolvimento tecnológico multiplicou e diversificou os vectores da criação, produção e exploração. Apesar de não serem necessários novos conceitos para a protecção da propriedade intelectual, a legislação e regulamentação actuais em matéria de direito de autor e direitos conexos devem ser adaptadas e complementadas para poderem dar uma resposta adequada à realidade económica, que inclui novas formas de exploração.
…………………………………………. omissis …………………….…………………………………
16) A questão da responsabilidade por actividades desenvolvidas em rede é pertinente não apenas para o direito de autor e direitos conexos, mas também para outras áreas, como a difamação, a publicidade enganosa ou a contrafacção de marcas registadas, e será objecto de uma abordagem horizontal na Directiva 2000/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de Junho de 2000, relativa a certos aspectos legais dos serviços da sociedade da informação, em especial do comércio electrónico no mercado interno (Directiva sobre o comércio electrónico) (1), que clarifica e harmoniza diversos aspectos jurídicos subjacentes aos serviços da sociedade da informação, incluindo o comércio electrónico. A directiva deve ser implementada segundo um calendário semelhante ao da implementação da directiva sobre o comércio electrónico, dado que tal directiva oferece um quadro harmonizado de princípios e disposições relevantes, inter alia, para partes importantes da presente directiva. Esta não prejudica as disposições relativas à responsabilidade constantes daquela directiva.5

OBRA INTELECTUAL (FÍSICA OU DIGITAL) COMERCIALIZADA VIA INTERNET
A comercialização de bens de natureza intelectual na rede mundial de computadores, dentro dos tipos de comércio já enfocados, pode ocorrer de dois modos, a saber:
a) a obra intelectual material é comercializada na internet com entrega física; e
b) a obra intelectual digital (ou digitalizada) é comercializada na internet com transmissão por via eletrônica.
Nas situações acima, sob o prisma jurídico, a questão que se apresenta é qual a forma de transferência dos direitos autorais que incide sobre o produto intelectual? Licenciamento, concessão ou cessão de direitos?
Face à inexistência de legislação específica que contemple os direitos autorais no âmbito do e-commerce, em especial, no Brasil, a solução encontra-se na legislação – já referida – Leis nº 9.610 (direitos autorais) e nº 9.609 (propriedade intelectual do programa de computador), ambas de 19/02/1998, e demais textos legais correlatos.
A Lei nº 9.610, de 19/02/1998 traz em seu Capítulo V os seguintes artigos:
Da Transferência dos Direitos de Autor
Art. 49. Os direitos de autor poderão ser total ou parcialmente transferidos a terceiros, por ele ou por seus sucessores, a título universal ou singular, pessoalmente ou por meio de representantes com poderes especiais, por meio de licenciamento, concessão, cessão ou por outros meios admitidos em Direito, obedecidas as seguintes limitações:
I – a transmissão total compreende todos os direitos de autor, salvo os de natureza moral e os expressamente excluídos por lei;
II – somente se admitirá transmissão total e definitiva dos direitos mediante estipulação contratual escrita;
III – na hipótese de não haver estipulação contratual escrita, o prazo máximo será de cinco anos;
IV – a cessão será válida unicamente para o país em que se firmou o contrato, salvo estipulação em contrário;
V – a cessão só se operará para modalidades de utilização já existentes à data do contrato; 55
VI – não havendo especificações quanto à modalidade de utilização, o contrato será interpretado restritivamente, entendendo-se como limitada apenas a uma que seja aquela indispensável ao cumprimento da finalidade do contrato.
Art. 50. A cessão total ou parcial dos direitos de autor, que se fará sempre por escrito, presume-se onerosa.
§ 1º Poderá a cessão ser averbada à margem do registro a que se refere o art. 19 desta Lei, ou, não estando a obra registrada, poderá o instrumento ser registrado em Cartório de Títulos e Documentos.
§ 2º Constarão do instrumento de cessão como elementos essenciais seu objeto e as condições de exercício do direito quanto a tempo, lugar e preço.
Art. 51. A cessão dos direitos de autor sobre obras futuras abrangerá, no máximo, o período de cinco anos.
Parágrafo único. O prazo será reduzido a cinco anos sempre que indeterminado ou superior, diminuindo-se, na devida proporção, o preço estipulado.
Art. 52. A omissão do nome do autor, ou de co-autor, na divulgação da obra não presume o anonimato ou a cessão de seus direitos.” (sem grifos no original)
A lei acima referida engloba as possibilidades jurídicas, negócio inter vivos, de transferência dos direitos patrimoniais do autor, parcial ou total, onerosa ou gratuita; em geral, envolve pecúnia.
Quanto aos softwares, objeto de legislação específica, é interessante ressaltar que a Lei nº 9.609, de 19/02/1998, estabelece o licenciamento de uso como forma de transferência dos direitos autorais, no seu Capítulo IV e artigos que seguem:
DOS CONTRATOS DE LICENÇA DE USO, DE COMERCIALIZAÇÃO E DE TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA
Art. 9º O uso de programa de computador no País será objeto de contrato de licença.
Parágrafo único. Na hipótese de eventual inexistência do contrato referido no caput deste artigo, o documento fiscal relativo à aquisição ou licenciamento de cópia servirá para comprovação da regularidade do seu uso.
Art. 10. Os atos e contratos de licença de direitos de comercialização referentes a programas de computador de origem externa deverão fixar, quanto aos tributos e encargos exigíveis, a responsabilidade pelos respectivos pagamentos e estabelecerão a remuneração do titular dos direitos de programa de computador residente ou domiciliado no exterior.”
Em tese, portanto, no âmbito interno, a obra intelectual material comercializada através da internet com entrega física e a obra intelectual digital (ou digitalizada), também, comercializada na Internet, mas com transmissão por via eletrônica, estão sujeitas à legislação aplicável ao comércio tradicional.
A CONTRAFAÇÃO E A PIRATARIA NA ERA DIGITAL
Na esteira da doutrina de Henrique Gandelman:
Chama-se vulgarmente de pirataria à atividade de copiar ou reproduzir, bem como utilizar indevidamente – isto é, sem a expressa autorização dos respectivos titulares – livros ou outros impressos em geral, gravações de sons e/ou imagens, software de computadores, ou ainda, qualquer outro suporte físico que contenha obras intelectuais legalmente protegidas.6
No ambiente digital, particularmente no comércio eletrônico por intermédio da rede mundial de computadores, atos de pirataria comportariam toda a atividade de reprodução, armazenamento e distribuição física ou eletrônica de obras de natureza intelectual, reconhecidas pelo ordenamento jurídico, sem a expressa permissão do autor, com o fito de obtenção de lucro (indevido com certeza).
Essa prática marginal afeta todas as criações de espírito tuteladas pelo ordenamento jurídico.
A Lei no 10.695, de 1º de julho de 2003, que altera e acresce parágrafo ao art. 184 e dá nova redação ao art. 186 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, alterado pelas Leis nos 6.895, de 17 de dezembro de 1980 e 8.635, de 16 de março de 1993, revoga o art. 185 do Decreto-Lei no 2.848, de 1940, e acrescenta dispositivos ao Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, representa importante contribuição legislativa nacional para a repressão da pirataria; contudo, merece atenção o teor do parágrafo 4º, de seu artigo 1º, com a devida vênia, haja vista:
Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos:
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.
§ 1o Se a violação consistir em reprodução total ou parcial, com intuito de lucro direto ou indireto, por qualquer meio ou processo, de obra intelectual, interpretação, execução ou fonograma, sem autorização expressa do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor, conforme o caso, ou de quem os represente:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
O parágrafo primeiro, acima descrito, tem clara intenção de coibir a prática vulgarmente chamada “plágio” ou “contrafação” conceito que contempla a cópia privada feita pelo copista ou aquela feita em lojas de reprografia.
Já parágrafo seguinte (2°) busca coibir o comércio de produtos contrafeitos. Está nitidamente relacionado com o comércio ilegal de CD´s com conteúdos musicais ou de audiovisual, notadamente cinema. Senão vejamos:
§ 2o Na mesma pena do § 1o incorre quem, com o intuito de lucro direto ou indireto, distribui, vende, expõe à venda, aluga, introduz no País, adquire, oculta, tem em depósito, original ou cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com violação do direito de autor, do direito de artista intérprete ou executante ou do direito do produtor de fonograma, ou, ainda, aluga original ou cópia de obra intelectual ou fonograma, sem a expressa autorização dos titulares dos direitos ou de quem os represente.
O parágrafo seguinte (3°), bom exemplo de atualidade da legislação brasileira, busca a coibição das transmissões via espectro eletro-magnético ou via cabo. É evidente que está relacionado com obras musicais e audiovisuais.
§ 3o Se a violação consistir no oferecimento ao público, mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para recebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, com intuito de lucro, direto ou indireto, sem autorização expressa, conforme o caso, do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor de fonograma, ou de quem os represente:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
Finalmente o parágrafo seguinte (4°), ressalva o controvertido direito à cópia para uso privado mais usual tese de defesa nos processos de plágio que transitam em nossos tribunais.
§ 4o O disposto nos §§ 1o, 2o e 3o não se aplica quando se tratar de exceção ou limitação ao direito de autor ou os que lhe são conexos, em conformidade com o previsto na Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, nem a cópia de obra intelectual ou fonograma, em um só exemplar, para uso privado do copista, sem intuito de lucro direto ou indireto. (sem grifos no original).
Todavia, sabe-se perfeitamente que com a tecnologia atual – computadores com grande capacidade de processamento, periféricos sofisticados e softwares cada vez mais poderosos – é extremamente fácil produzir cópias de obras intelectuais, exatamente iguais ou até melhores em qualidade, como ocorre com fotografias retocadas e fonogramas. Tudo isso pode ser produzido rapidamente e armazenado em servidores distribuídos por todo o mundo. Dos servidores podem ser acessados por qualquer pessoa em qualquer lugar do planeta.
Com certeza a pirataria deve ser uma das indústrias mais rentáveis da história. Rentável para os copistas e todos que – direta ou indiretamente – participem desse tipo de comércio eletrônico via internet; contudo, o número de autores e titulares lesados parece ser bem maior; em primeiro lugar, o autor que deixa de receber o reconhecimento moral e financeiro por sua criação ou o terceiro a quem tenha transferido (parcial ou total) os direitos autorais de cunho patrimonial; em segundo, o consumidor que, seduzido pelo baixo preço, adquire produtos sem garantia, embora com qualidade semelhante ao original; e, em terceiro lugar, os governos que deixam de arrecadar impostos.
A BUSCA DA PROTEÇÃO JURÍDICA
Desnecessário ser economista para atinar que a contrafação e a pirataria causam enormes prejuízos pecuniários aos autores, aos titulares de direitos autorais e aos governos. Frente a essa realidade, têm sido envidados esforços por parte de particulares, administradores públicos e legisladores para que sejam implementadas normas jurídicas para conferir segurança aos negócios em rede, bem como, reprimir através do codex penal a prática desse tipo de crime.
No Brasil, alvissareiro passo é representado pelo Decreto de 13/03/2001, Publicado no D.O.U. de 14/03/2001, Seção I-E, 1ª página, que institui Comitê Interministerial de Combate à Pirataria, merecendo destaque:
Art. 1º Fica instituído o Comitê Interministerial de Combate à Pirataria.
Parágrafo único. Entende-se por pirataria, para os fins deste Decreto, a violação ao direito autoral de que trata.
Art. 2º Compete ao Comitê Interministerial:
IX – acompanhar novas formas de pirataria introduzidas no mercado, especialmente as realizadas em redes digitais, e propor alternativas dissuasivas de tais atos;” (sem grifos no original).
Digna de nota a iniciativa da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos da América ao implementar o sistema CORDS (Copyright Office Electronic Registration, Recordation, and Deposit System), que permite o registro e depósito digital das obras intelectuais naquele país; pois as leis de proteção dos direitos autorais vigoram na jurisdição de cada Estado.
ARBITRAGEM, UMA SOLUÇÃO POSSÍVEL
A arbitragem não é instituto novo no direito brasileiro. Embora tenha passado por um longo período de desuso, já fora disciplinada desde as Ordenações Portuguesas (Afonsinas, Manuelinas e Filipinas), passando pelo art.160, da Constituição Imperial (1824), pelos arts.245 e 294, do Código Comercial (1850), pelos arts. 1.037 usque 1.048, do Código Civil (1916), pelos arts. 1.031 a 1.046, do Código de Processo Civil (1939). Com o advento da Lei 9.307/96, a arbitragem recebeu nova disciplina no direito brasileiro e tem se transformado em alternativa cada vez mais sólida para a solução dos litígios envolvendo direitos patrimoniais disponíveis, revogando por completo os dispositivos do CPC de 1973 (arts.1.072 a 1.102), que cuidavam do então denominado “juízo arbitral”. 7
É certo que, por outro lado, o legislador tem buscado modernizar o processo civil, alcançando-o ao nível dos melhores sistemas legislativos internacionais. Porém, o problema mais crônico – a lentidão do Judiciário – continua longe de ser solucionado ou sequer amenizado, de modo que a proliferação de câmaras arbitrais por todo o Brasil é dado que bem demonstra a tendência da sociedade em buscar meios alternativos para solução de conflitos de interesses, como também tem ocorrido com a mediação, no âmbito familiar, e as Comissões de Conciliação Prévia, na esfera trabalhista.
Muito embora a arbitragem tenha sempre feito parte integrante da legislação brasileira desde o séc. 19, certo é que nossa legislação não acompanhou a evolução do instituto através do tempo, mantendo por muitas décadas uma feição superada e obsoleta, o que impediu que a mesma pudesse ser considerada como instrumento de solução de controvérsias. A existência portanto, de um marco legal aplicável á arbitragem que não contemplasse a execução específica da cláusula compromissória a desqualificava como instrumento hábil para a solução de controvérsias na medida em que não se conferia às partes contratantes a segurança de ver, à efetiva ocorrência de qualquer divergência, a instauração do procedimento arbitral para a solução da mesma, nos exatos termos em que haviam originalmente ajustado. Ainda assim, buscou-se, na prática, a imposição de penalidades onerosas como mecanismo de indução ao cumprimento da cláusula compromissória pelas partes signatárias. Na realidade, a solução de controvérsias não se resume no pagamento de penalidades e, muitas vezes, a solução efetiva por meio da adoção do procedimento escolhido é de valor inestimável.
No entanto, para desfazer esse quadro sombrio e obsoleto que cercava a arbitragem no Brasil, deu-se um primeiro passo muito importante quando da edição da Lei 9.307, de 23 de setembro de 1996 – a Lei da Arbitragem. Com o advento desta, removeu-se o obstáculo que sempre impediu o desenvolvimento da arbitragem no País, ao conferir-se execução específica à clausula compromissória. Embora não seja este o foco deste artigo, certo é que, numa perspectiva de registro histórico, não se poderá deixar de mencionar a questão de constitucionalidade levantada no Supremo Tribunal Federal quanto a artigos da Lei de Arbitragem, o que veio a ser deslindado em longo julgamento pela Suprema Corte. Assim sendo, reafirmada a constitucionalidade das disposições em questão, abriu-se o caminho para que a arbitragem encontrasse, no Brasil, a mesma adesão com que conta em outros países.8
Em 2002 o Brasil aderiu a Convenção de New York que, na verdade, é um titulo de maturidade aos países signatários. Com 40 anos de atraso esta adesão foi muito festejada pois com ela o Brasil entrou no mapa dos países desenvolvidos na medida em que passou a ser possível a homologação de laudos arbitrais internacionais em nosso território bem como a homologação de laudos arbitrais brasileiros em tribunais internacionais.
Com o fenômeno da globalização e com o grande volume de controvérsias oriundas dos negócios feitos com o uso da Internet, a arbitragem se apresenta como uma alternativa viável na medida em que pode ser caracterizada como uma forma internacional e supra nacional de resolução de controvérsias.
CONCLUSÃO
O tema do Direito Autoral relacionado às novas tecnologias é recente e complexo. Pelas suas características, o comércio eletrônico, via internet, e os problemas jurídicos que traz consigo, extrapolam fronteiras físicas nacionais e envolvem diferentes culturas, sistemas jurídicos (consuetudinário e positivado); além de diferentes enfoques jurídicos no que tange ao direito de propriedade intelectual (copyright e droit d’auteur).
Observa-se que esforços governamentais e legislativos, particularmente, nos países economicamente mais desenvolvidos, estão sendo cada vez mais relevantes e direcionados para a confecção de textos legais que preservem os direitos autorais no campo do comércio eletrônico via Internet, limitados às jurisdições nacionais.
Em virtude da carência de textos legais que contemplem a situação dos direitos autorais no comércio eletrônico desenvolvido na internet, observa-se que, de uma maneira geral, a legislação já existente para a proteção das obras intelectuais, definidas e elencadas como tal nos ordenamentos jurídicos nacionais, é a utilizada para a solução de controvérsias surgidas no campo digital.
Tratando-se de novidade jurídica, a jurisprudência nacional e global é ainda incipiente, inexistindo registros palpáveis de soluções de litígios na área dos direitos autorais inseridos no contexto do comércio eletrônico por intermédio da rede mundial de computadores.
Importante salientar que ao Poder Judiciário, que possui a missão precípua de pacificar os conflitos sociais e promover a justiça nos moldes da concepção romana, caberá importante missão na solução das contendas envolvendo o e-commerce via internet e os direitos autorais; com certeza não serão poucos os casos que necessitarão de particular atenção dos magistrados.
Como o objeto deste estudo afigura-se de interesse global, pois as fronteiras físicas não são barreiras intransponíveis ao e-commerce pela internet, com certeza surgirão conflitos jurídicos advindos da proteção aos direitos autorais nesse mercado digital, envolvendo diversos países, culturas, competências jurisdicionais, sistemas jurídicos, enfoques doutrinários, etc… Assim, inexistindo Tribunais supranacionais de resolução de conflitos, uma opção são as cortes arbitrais como, por exemplo, o Centro de Arbitragem e de Mediação da OMPI, com sede em Genebra (Suíça), criado em 1994.
Finalmente, conclui-se que, não obstante a proposição de projetos de leis, leis modelos, diretivas comunitárias, grupos e comissões de estudos; na realidade, não existem leis específicas que tutelem os direitos autorais no âmbito do comércio eletrônico desenvolvido através da rede mundial de computadores. Em geral, a legislação afeta ao comércio tradicional é comumente empregada pelos países, dentro de suas jurisdições, para a solução de litígios referentes ao mercado digital.
Gilberto Mariot, advogado especialista em Direitos Autorais e propriedade Intelectual
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Autoral, 2ª ed. refundida e ampliada. Rio de Janeiro: Renovar, 1997.
CABRAL, Plínio. A Nova Lei de Direitos Autorais (comentários). Porto Alegre: Sagra Luzzato, 1998.
GANDELMAN, Henrique. De Gutemberg à Internet: direitos autorais na era digital. 4ª ed. ampliada e atualizada. Rio de Janeiro: Record, 2001. 64
GRECO, Marco Aurélio; MARTINS, Ives Gandra Silva (coordenadores). Direito e Internet: relações jurídicas na sociedade informatizada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
MESQUITA, Gil Ferreira. O papel do advogado no procedimento arbitral. em www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=4343, em 20/06/2010
NUNES PINTO, José Emílio. A arbitragem no Brasil e a Convenção de New York. Em www1.jus.com.br/doutina/texto.asp?id=3650, em 19/06/2010
STROWEL, Alain, “Droit d’auteur et copyright, Divergences et convergences”, Bruxelles, Bruylant et Paris, L.G.D.J., 1993.
______________. Ministério de Ciência e da Tecnologia do Brasil. Disponível em http://www.mct.gov.br/legis/prop_intelec.htm; acesso em: 21/06/2010
______________. Wikipedia, the free encyclopedia. Disponível em http://en.wikipedia.org/wiki/History_of_copyright; acesso em: 21/06/2010
1 OMPI – Organização Mundial da propriedade Intelectual também chamada WIPO – World Intellectual Property Organization.
2 Em âmbito global, são conhecidos dois sistemas afetos aos direitos autorais: copyright (direito de cópia, reprodução) de origem anglo-saxônica e o droit d’auteur (direito de autor) natural da França pós-revolucão.
3 Equipamento composto de foto leitores utilizados para digitalização de textos e imagens.
4 GANDELMAN, Henrique. De Gutemberg à Internet: direitos autorais na era digital. 4ª ed. ampliada e atualizada. Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 178.
5 STROWEL, Alain, “Droit d’auteur et copyright, Divergences et convergences”, Bruxelles, Bruylant et Paris, L.G.D.J., 1993.
6 GANDELMAN, Henrique. De Gutemberg à Internet: direitos autorais na era digital. 4ª ed. ampliada e atualizada. Rio de Janeiro: Record, 2001, pág. 86.
7 MESQUITA, Gil Ferreira. O papel do advogado no procedimento arbitral. Em www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=4343, em 20/06/2010
8 NUNES PINTO, José Emílio. A arbitragem no Brasil e a Convenção de New York. Em www1.jus.com.br/doutina/texto.asp?id=3650, em 19/06/2010

Deixe um comentário